sábado, 29 de maio de 2010

A Literatura de Cordel vista através da filatelia brasileira.

Introdução.
   
     De origem portuguesa, a Literatura de Cordel iniciou com os romancistas luso-holandeses da Idade Contemporânea e Renascentista.
     A princípio, este tipo de poesia popular, impressa em folhetos rústicos ou em qualquer outro papel, expostos à venda pendurados em cordas ou barbantes, o qual deu origem ao nome, continham peças de teatro, como as de autoria de Gil Vicente (1465-1536). Mas, ao longo do tempo, foi se transformando em uma arte instintiva de extrair do cotidiano as fontes vitais para a elaboração dos textos.
     Trazido pelos portugueses para o Brasil durante o período colonial, a partir da segunda metade do século XIX, originalmente oral, os Cordéis passaram a ser impressos em folhetos com características próprias das múltiplas manifestações de criatividade e humor. A rigor, unicamente sertanejo e tropical, mesmo não reconhecido na época pela a Academia de Letras, o Cordel se consagrou como sinónimo puro desta manifestação acentuada, efectiva e viva. Revelando entre outros aspectos, a vida do sertanejo e se espalhou pelo Nordeste, sobretudo, nos estados de Pernambuco, Paraíba, Rio Grande do Norte e Ceará, onde eram vendidos em mercados ou feiras livres pelos próprios autores. Actualmente, também podem ser encontrados no Rio de Janeiro, Minas Gerais e São Paulo, os quais mantém o nome original, mas a tradição dos barbantes ou cordas não se propagou, podendo serem expostos ou não para a venda nestes barbantes ou cordas (Figuras 1 e 2). A pesar da invasão cultural Norte-americana, o Cordel sobreviveu e ganhou mais fôlego com a Internet, mesmo que este processo de divulgação, em si, negue o seu sentido original.

 
(Figura 01).
           
 
(Figura 02).
                                                        
       
     Sem limite de criação, onde qualquer assunto pode se tornar uma fonte acessível nas mãos de um competente poeta, os poemas são escritos em rimas, alguns ilustrados com xilogravuras (Figuras 03 e 04), impressos com características próprias, ilustrando geralmente episódios do cotidiano, históricos, lendas populares ou temas religiosos.

(Figura 03).

     A rigor, as estrofes mais comuns, são as de seis, oito ou dez versos, criados pelos cordelistas que de forma melodiosa e cadenciada, acompanhados de viola, são lidos ou declamados pelos próprios autores em locais públicos com grande animação com o objectivo de atraírem compradores (Figura 05).

Ilustração em estilo da xilogravura utilizada nos cordéis.
(Figura 04).


Selo da série - Folclore Brasileiro. 
Categoria: Comemorativo.
Tema: Instrumentos musicais.
Data de emissão: 22/08/1978.
Valor facial: CR$: 1,80.
Picote: 11 1/2.
Tiragem: 4000000.
Papel: Guache, gomado, fosforescente.
Impressão: Offset.
Catálogo: RHM: 046.
Novo.

(Figura 05).
    
     Entre os principais cordelistas do passado, podemos destacar: Leandro Gomes de Barros (1865-1918) e João Martins de Athayde (1880-1959).
     Em 1974 os Correios brasileiro emitiu uma série com quatro selos comemorativos alusivos a Cultura Popular onde um dos selos aborda a Literatura de Cordel e em 1986 um belo bloco comemorativo (Figuras  06 e 07).

Máximo Postal com Carimbo comemorativo e de primeiro dia alusivos.
Selo da série - Cultura Popular.
Categoria: Comemorativo.
Tema: Literatura.
Data de emissão: 16/10/1974.
Valor facial: CR$: 0.50
Picote: 11 1/2 X 11. 
Tiragem: 1500000.
Papel: Guache, gomado, fosforescente.
Impressão: Offset.
Catálogo: RHM: 661
Novo.

(Figura 06).

LUBRAPEX 96 - 11ª Exposição Filatélica Luso - Brasileira.
Categoria: Bloco.
Tiragem: 250000.
Impressão: Offset.
Papel: Guache, gomado, fosforescente.
Data de emissão: 21/11/1986.
Catálogo: RHM: B- 073.
Novo.

(Figura 07).

 
     Dois máximos novos. Pavão Misterioso e Imperatriz Porcina contendo os selos do bloco e CBC do Rio de Janeiro.




Principais características da Literatura de Cordel:

- A poética utilizada pelos autores e o baixo custo dos folhetos, por excelência conquistam os compradores;
- As xilogravuras impressas representam uma importante herança do imaginário popular;
- Por serem uma fonte de divulgação das tradições dos locais dos seus autores, a Literatura de Cordel é de grande apreço para a manutenção das tradições literárias regionais e em muito contribui para a continuação viva do folclore brasileiro;
- Por incentivar o habito de leitura, a Literatura de Cordel possui um papel importante contra o analfabetismo ainda muito presente no interior do Nordeste e em outras regiões do Brasil;
- Por normalmente os textos abordarem uma crítica social e política, elevam a Literatura de Cordel a uma posição de obra didáctica e educativa.


Exemplo de uma obra de autoria de Zé da Luz:

E nesta constante lida
Na luta de vida e morte
O sertão é a própria vida
Do sertanejo do Norte

Três muié, três irimã
Três cachorra da molesta
Eu vi dia de festa
No lugar Puxinanâ.

Estilos poético.

     1) Quadra: Caracterizada por estrofes de quatro versos e usada com sete sílabas. Obrigatoriamente precisa conter rima em duas linhas, entretanto, o estilo pode variar entre os autores, uns usam a rima da segunda estrofe com a quarta, outros em ambas, podendo ser a primeira com a terceira e a segunda com a quarta ou a primeira com a quarta e a segunda com a terceira.
     A quadra hoje não são mais utilizadas pelos cordelistas. Entretanto, podemos vê-la em outros estilos de poesia sertaneja, como a matuta, a caipira e embolada, entre outros estilos.
     2) Sextilha: Mais popular estrofe ou estância de seis versos e sete silabas, com o segundo, o quarto e sexto rimados; versos de seis pés, colcheia, repente. É um estilo poético normalmente utilizados nas cantorias, onde os cantadores se referem a qualquer tema em ritmo de Baião. Exemplo:

Quem inventou esse “S”
Com que se escreve saudade
Foi o mesmo que inventou
O “F” da falsidade
E o mesmo que fez o “I”
Da minha infelicidade.

     3) Septilha: Rara estrofe contendo sete versos; Setena (de sete em sete). Estilo poético muito utilizado pelo poeta Zé Limeira, conhecido como o poeta do absurdo.

Eu me chamo Zé Limeira
Da Paraíba falada
Cantando nas escrituras
Saudando o pai da cooiada
Alua branca alumia
Jesus, José e Maria
Três anjos na farinhada

Napoleão era um
Bom capitão de navio
Sofria de tosse braba
No tempo que era sadio,
Foi poeta e demagogo
Numa coivara de fogo
Morreu tremendo de frio.

    4) Oitava: Como o próprio nome faz menção, a poesia é composta de oito versos, ou de duas quadras, com sete sílabas em que o grupo grupo de versos possui sentido completo. A rima difere dos outros estilos. Os autores aplicam expressões rimando a primeira linha com a segunda e a terceira, a quarta com a quinta e a oitava e a sexta com a sétima. Todas finalizadas com o verso: Nos oito pés em quadrão. Como exemplo, vejamos uma cantoria entre José Gonçalves e Zé Limeira:


Gonçalves:

Eu canto com Zé Limeira
Rei dos cates do Teixeira
Nesta noite prazenteira
Da lua sob o clarão
Sentindo no coração
A alegria é deste canto*
Por isso é que eu canto tanto*
NOS OITO PÉS A QUADRÃO


Limeira:

Eu sou Zé Limeira e tanto
Cantando por todo canto
Frei Damião já é santo
Dizendo a santa missão
Espinhaço e gangão
Batata de fim de rama*
Remédio de velho é cama*
NOS OITO PÉS A QUADRÃO.

      1) Quadrão: Oitava na poesia popular, cantada, na qual os três primeiros versos rimam entre si, o quarto, com o oitavo, e o quinto, o sexto e o sétimo também rimam entre si.
      2) Décima: Composta por dez versos, com dez ou sete sílabas em que as rimas são habitualmente apresentada principalmente na glosa dos motes, conquanto se use na mesma condição nas discussão e , com menor frequência, na parte principal dos romances.
      Normalmente nas pelejas é dado um mote para que os violeiros se desdobrem sobre o mesmo. Como exemplo, vejamos versos de uma cantoria entre José Alves Sobrinho e Zé Limeira:

                VOCÊ HOJE ME PAGA O QUE TEM FEITO
Mote:
                COM OS POETAS MAIS FRACOS DO QUE EU.


Sobrinho:

Vou lhe avisar agora Zé Limeira
Dizem que quem avisa amigo é
Vou lhe amarrar agora a mão e o
E lhe atirar naquela capoeira
Pra você não dizer tanta besteira
Nesta noite em que Deus nos acolheu
Você hoje se esquece que nasceu
E se lembra que eu sou bom e perfeito
Você hoje me paga o que tem feito
Com os poetas mais fracos do que eu.


Limeira:

Mais de trinta da sua qualistria
Não me faz eu correr nem ter sobrosso
Eu agarro a tacada no pescoço
E carrego pra minha freguesia
Viva João, viva Zé, viva Maria
Viva a lua que o rato não lambeu
Viva o rato que a lua não roeu
Limeira só canta desse jeito
Você hoje me paga o que tem feito
Com os poetas mais fracos do que eu.


GALOPE À BEIRA-MAR.

     Composto por 10 versos hendecassílabos (que possui 11 sílabas). segue o mesmo esquema da décima clássica, e termina com o verso “cantando galope na beira do mar” ou com a variação dele, mas sempre terminado com a palavra “mar”. Porém, às vezes, o segundo, o quinto e o sexto versos da estrofe pode ser heptassílabos, e o refrão “meu galope à beira-mar é utilizado. Este género de cantoria nordestina, é o mais difícil. Obrigatoriamente, as segunda, quinta, oitava e décima sílabas devem ser tónicas. Vejamos exemplo:


Sobrinho:

Provo que eu sou navegador romântico
Deixando o sertão para ir ao mirífico
Mar que tanto adoro e que é o Pacífico
Entrando depois pelas águas do Atlântico
E nesse passeio de rumo oceânico
Eu quero nos mares viver e sonhar
Bonitas sereias desejo pescar,Trazê-las na mão pra Raimundo Rolim
Pra mim e pra ele, pra ele e pra mim
Cantando galope na beira do mar.


Limeira:

Eu sou Zé Limeira, caboclo do mato
Capando carneiro no cerco do bode
Não gosto de feme que vai no pagode
O gato fareja no rastro do rato
Carcaça de besta, suvaco de pato
Jumento, raposa, canção e preá
Sertão, Pernambuco, Sergipe e Pará
Pará, Pernambuco, Sergipe e Sertão
Dom Pedro Segundo de sela e gibão
Cantando galope na beira do mar.


Gabinete:

Martelos mais empregados:

     1) Agalopado: Estrofe composta de decassílabos, frequentemente muito usada nos versos em que o autor narra actos de heroísmo ou satíricos em seus desafios.
     2) Martelo agalopado: Estrofe contendo dez versos decassílabos, em que a cantiga de melodia simples e monótona, é composta por texto sentimental, brejeiro ou violento.
    3) Martelo de seis pés, galope: Estrofe de seis versos decassilábicos. Também se diz somente agalopado.



Redondilha:

     No passado era composta por quadra de versos contendo sete sílabas, na qual o autor rimava a primeira linha com a quarta e a segunda com a terceira. Actualmente, é composta de cinco ou sete sílabas, igualmente redondilha menor e redondilha maior.


Carretilha:

     Literatura popular brasileira. Décima de redondilhas menores (versos contendo cinco ou sete sílabas) com a mesma rima da décima clássica; miudinha, parcela, parcela-de-dez.

Métrica:
    
     Consiste na arte que adestra os elementos necessários que compõem o texto com versos medidos. É um sistema em que consiste de verificação particular a um autor. Ou seja, contagem das sílabas de um verso.
     1) Versos: É a linguagem medida com repetição dum som na terminação de duas ou mais palavras. Para medir, o autor junta as palavras em número prefixado de pés.
     2) Pés: Denomina-se pé uma sílaba métrica. O verso pode conter duas a doze sílabas. Mas, o mais comum são os de seis, sete, oito, dez e doze pés. Como o de sete pés é o mais usado, vamos iniciar nele a contagem métrica tendo como exemplo o famoso poema “Canção do exilio” de autoria de Gonçalves Dias (Figura 08 e 09).

 Minha terra tem palmeiras
 Onde canta o sabiá
 As aves que aqui gorjeiam
 Não gorjeiam como lá.

Contagem:

Mi / nha / ter / ra / tem / pal / mei /

     Devido o verso terminar no último acento tónico, não se conta a sílaba final “ras”.
     1) Grave: Denomina-se de grave, o verso que sobra uma sílaba final.
     2) Esdrúxulo: Denomina-se de esdrúxulo, o verso que sobra duas sílabas finais.
     3) Agudo: Denomina-se agudo, o verso terminado por palavra oxítona, como o segundo e o quarto do exemplo. Vejamos:


On / de / can / ta o / sa / bi / á /

     O verso “ta o” é lido como t'o formando assim um pé, pela figura sinalefa (fusão). Sabiá, actualmente se conta o dissílabo, pois biá, em duas silabas, forma um hiato, normalmente evitado, quer seja interverbal ou intraverbal. Todavia, há vários autores, tanto do passado como da actualidade, que por serem pouco escrupuloso aceitam com frequência os hiato em suas composições.
     1) Sinalefa: Denomina-se de Sinalefa, a figura pela qual se reúnem duas sílabas em um só, quer seja por meio de elisão, crase ou sinérese.
     2) Sinérese: É a contracção sem alteração de letras ou sons de duas sílabas em uma só, como exemplo:

reu-nir, pie-da-de, em vez de re-u-nir, pi-e-da-de.

As / aves / que a / qui / gor / jei /
Não / gor / jei / am / co / mo / lá /

     No caso o verso utilizado pelo o autor é heptassílabo, pois contém sete sílabas. Se por ventura colocar-mos uma sílaba a mais ou a menos em qualquer dos versos, a rima ficará dissonante e perderá a sua beleza e a sua harmonia.

(Figura 08).


     Raro FDC. RHM: 028. 1973. Envelope de primeiro dia alusivo ao 150 Anos de Nascimento do Poeta Gonçalves Dias com carimbo de 1º dia e CBC da Cidade de São Luiz - Maranhão sobre o selo RHM: 076. 

   (Figura 09).

     Não posso me impedir de afirmar que quando a palavra seguinte é iniciada por uma vogal, conforme for o caso, pode haver a junção da sílaba da primeira com a segunda, muito comum na língua francesa. Para se verificar a quantidade de sílabas, podemos contar nos dedos. Vejamos o exemplo em um trecho de outra poesia muito conhecida de António Gonçalves da Silva (Patativa do Assaré). (Figura 10 e 11).

Nes / ta / noi / te / pas / sa / gei / ra
   1      2     3    4      5      6     7
Há / coi / sa / que / mui / to / pas / ma
  1      2    3      4        5     6      7

Um mote:
Vou / fa / zer / se/ re / na / ta / na / cal / ça / da
  1      2     3     4    5    6     7     8     9    10



Carimbos comemorativos.
Figuras 10 e 11.
                   

      1) Rima: Compor ou escrever versos com repetição dum som na terminação de duas ou mais palavras.
      2) Rimas consoantes: Entendemos por rimas consoantes, as que se conformam inteiramente no som desde a vogal ou ditongo do acento tónico até a última letra ou fonema. Como exemplo:

Fecundo e mundo;
Amigo é contigo;
Doce e fosse;
Pálido e válido;
Moita e afoita.

     3) Rimas toantes: Entendemos por rimas toantes, as que só há identidade se sons nas vogais, a começar das vogais ou ditongos que levam a acento nico, ou, alguma vezes, somente nas vogais ou nos ditongos da sílaba tónica. Como exemplo:

Veludo;
Colida;
lágrima.


“Sem propósito de sonho / nem de alvoradas seguintes, / esqueceu teus olhos tontos; e teu coração tão triste”. Cecília Meireles, Obra Poética, página 516. (Figura 12).



Literatura brasileira. Centenário de Nascimento de Cecília Meireles.
Categoria: Comemorativo.
Artista: Valeria Faria.
Valor facial: R$: 0,55 cada selo.
Papel: Guache, gomado.
Impressão: Offset.
Tiragem: 2.000.000.
Data de lançamento: 07/11/2001.
Picote: 11 X 11 1/2.

(Figura 12).

Nota:

     Na Literatura de Cordel nordestina, normalmente os autores utilizam a rima consoantes. Se um folheto não contiver rimas toantes, quem a conhece, pensará que o autor do folheto desconhece a existência destas regras. Um cordel escrito assim, pode até mesmo vir a ser um bom poema, entretanto, não se pode classificá-lo como sendo um autêntico cordel.



Bibliografia:


- Catálogo RHM.
- Dicionário Aurélio;
- Wikipédia, a enciclopédia livre;


Referências:



Elaborado em 27 de Maio de 2010.



























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Um abraço.

Lúcio Carvalho.